domingo, 25 de março de 2012

SALVAGUARDAS - OBSCURA MANOBRA COM RANÇO DE GABINETE

Venho defendendo o vinho brasileiro há muitos anos, iniciativa premiada com o Troféu Vitis, instituído pela  Associação Brasileira de Enologia. Por quase duas décadas, rotineiramente tenho visitado vinhedos, produtores e vinícolas. Tenho amigos entre grandes e pequenos, empresários bem sucedidos, poetas do vinho. Sinto-me à vontade para falar com um pouco mais de conhecimento sobre a situação madura que se encontra a nossa indústria vinícola.

Recentemente em visita ao Sul pelo início da vindima, não tive nenhum feed-back de situação de risco para nosso vinho que justificasse qualquer tipo de intervenção burocrática para a sua proteção através do achaque ao vinho importado.

De repente, sou surpreendido com uma movimentação para "proteger o vinho brasileiro" com salvaguardas que vão diretamente prejudicar o fluxo normal das importações, ou seja, voltamos à prática de políticas protecionistas, agora com uma diferença: vamos proteger quem não está em perigo, vamos fazer uma intervenção obscura no mercado que vai indo muito bem.

A iniciativa parte de atores que nunca se prestaram a trabalhar efetivamente contra os problemas cruciais do vinhos brasileiro: alta taxação de impostos, concorrência brutal dos vinhos contrabandeados impunemente e falta de um plano oficial de apoio à melhoria dos vinhedos brasileiros.

Certa feita, da Califórnia soube que os impostos incidentes sobre o vinho eram qualquer coisa ao redor de 5%, aqui, brincadeira, chega próximo dos 50%. Este índice assustador deveria ser um dos principais focos para essas instituições, trabalharem com muito barulho e sem medo de perderem os subsídios oficiais.

Por outro lado, o contrabando aporta ao mercado brasileiro um volume que chega a quase o dobro da produção e comercialização da vitivinicultura nacional. O correto é disparar um combate sem precedentes a essa atividade criminosa para salvaguardar o vinho brasileiro e o vinho importado honestamente.

Em  último lugar, a vitivinicultura brasileira produz essencialmente vinhos rústicos de híbridas americanas, produção aliada a uma parcela inferior a 10% de vinhos finos. O Brasil já produziu mais vinho, porém, a partir da década de 1990, o consumo brasileiro abandonou a preferência vigente pelos brancos e migrou para os tintos.Vai daí que a necessária reconversão dos vinhedos implicou óbvia queda da produção global. Ato contínuo, houve um processo de incremento de qualidade, o que impôs redução de produção por videira: menos cachos, mais qualidade. Mais uma vez, queda na produção global. A redução da comercialização de vinhos brasileiros passou por esses fenômenos e agora começa a crescer novamente, apoiada em mais qualidade. Os vinhos importados não tiveram esse tipo de problema e cresceram sempre, mas, de forma alguma, roubaram mercado do vinho brasileiro, como apregoam os defensores das salvaguardas.

As entidades que propugnam pelas polêmicas medidas da salvaguarda devem, sim, voltar seus esforços para que haja um projeto de melhoria da vitivinicultura brasileira, como ocorreu na Nova Zelândia, que reconverteu vinhedos de americanas em vinhedos de viníferas e hoje nos oferece néctares como seus Sauvignos Blancs . Devem também essas instituições batalhar pela redução dos absurdos impostos conferidos ao vinho nacional. Devem igualmente amparar, habilitar e estimular o pequeno produtor de vinhos finos.  

Como as vinícolas que contatei estão publicamente fora desse processo, só posso entender que se trata de uma obscura manobra com cheiro de gabinete levada a cabo por quem está vivendo à margem do trabalho duro dos viticultores e do empenho das vinícolas honestas. 


Nenhum comentário: