Com o fim da glaciação e o degelo formou-se um grande mar que cobria considerável área da Terra, permanecendo livres da água as partes mais altas do planeta que, dentre tantas, notabilizaram-se para a viticultura aquelas que abrigaram as videiras: refúgio asiático-oriental, nos contrafortes que cercam o vale do rio Amur; refúgio americano, nas encostas e altos das longas Montanhas Rochosas, paralelas ao Atlântico; refúgio europeu, nas partes altas próximas ao Mediterrâneo; e, finalmente, o refúgio asiático-ocidental, na região pontuada pelos montes Ararat, Taurus e o Cáucaso.
No refúgio asiático-oriental, terrenos altos circundantes do vale do rio Amur e plagas japonesas e chinesas, desenvolveram-se as videiras sino-siberianas, como a Vitis amurensis, Vitis romanetti, Vitis coignetiae, etc. Estas videiras, pela resistência aos climas mais frios, têm sido empregadas na hibridação com outras visando melhorar o desempenho de determinadas videiras sob essas condições críticas de clima.
No refúgio americano, área comprida paralela à costa atlântica abarcando Estados Unidos, México, Belize e Costa Rica, preservou as origens das Vitis americanas: labrusca, vulpina, aestivalis, rupestris, rotundifolia, tiliefolia, smaliana, lincecumii, berlandieri, caribae, etc. e de suas variedades que viriam desembocar, na atualidade, nas videiras como Isabel, Concord, Catawba, Niágara e outras.
No refúgio europeu, centrado em terras mediterrâneas suíças, francesas, italianas, austríacas e balcânicas, talvez tenha ocorrido a proteção de uma única espécie, a Vitis vinifera silvestris, com variedades de uva como a Riesling.
Finalmente, no refúgio asiático-ocidental, o mais importante para a viticultura, compreendido pelas terras balizadas nas bordas meridionais do mar Negro e pelos montes Ararat, Cáucaso e Taurus, abrangendo a região afegã do Hindocush, abrigou um conjunto de videiras da espécie Vitis vinifera caucasica, com as variedades mais expressivas de uvas, hoje conhecidas como as uvas européias, como a Cabernet Sauvignon, Shiraz, Chardonnay, etc.
Reforça esta indicação, os registros do pesquisador francês Louis Figuier, descrevendo a videira Vitis vinifera como um arbusto de muitas ramagens, originário da Mingrélia e da Geórgia, entre as montanhas do Cáucaso, do Ararat e do Taurus.
Este período eocênico deve ter sido acompanhado de calor mais intenso. Ao depois, durante a época oligocena que se seguiu ( 33 a 26 milhões de anos a.C.), foi ocorrendo o gradual afloramento das terras submersas e a nova definição climática das diversas regiões, permitindo que as videiras descessem de seus refúgios naturais e fossem se alastrando pelas baixadas circunvizinhas.
No Pleistoceno, nova onda de glaciação (Würm) aconteceu e outras conseqüências danosas foram impostas à expansão da vegetação, inclusive das videiras.
Não obstante, aos poucos foram se restabelecendo condições mais favoráveis de clima sobre a Terra, quando as temperaturas mais altas deram início a um longo período de degelo e, consequentemente, sobreveio o bíblico Dilúvio. Dentre outros fenômenos geográficos, formou-se um grande volume de água conhecido como o Mar Numulítico, uma espécie de Mediterrâneo bem expandido que invadiu as terras inundando uma enorme área, cobrindo a região norte da África, Espanha ocidental, França meridional, grande parte do sul da Alemanha, Itália, Oriente, etc, deixando totalmente fragmentado o restante da Europa e Ásia.
Com a gradual normalização dos distintos climas correspondentes a cada parte da terra, as videiras finalmente puderam deixar seus refúgios e operar um alastramento que determinou as geografias de ocorrência natural de cada família.
Do refúgio europeu a videira silvestre invadiu o continente até sua porção central e norte, florescendo na Itália, Suíça, França, Bélgica, sul da Suécia, Alemanha, Áustria e Hungria. Do refúgio turco-armênico as caucásicas alastraram-se pela Rússia Meridional, Criméia, Pérsia, Afeganistão, Paquistão e Índia.
Para se encontrar os testemunhos ainda existentes dos mais genuínos e diretos representantes da videira que, nos mais remotos tempos, povoaram a Europa e a Ásia, basta visitar a região transcaucásica, especialmente na Mingrélia e na atual Geórgia (Colchide), onde videiras nativas crescem livremente entre a vegetação local e, em alguns lugares, é objeto de cultura rudimentar, como resquícios de tempos imemoriais. O mesmo pode ser observado no norte do Afeganistão.
As videiras da Vitis proligera di Varna estudadas na região de Varna (Bulgária), apresentam características ampelográficas similares à Vitis labrusca, da América do Norte. Vale sugerir a hipótese de que essas videiras tivessem se formado na rota de ida ao Cáucaso, mantendo a evolução alcançada até aquele período.
Os curiosos achados fósseis a partir do Terciário médio na Europa, na turfa da Alemanha, na América do Norte e no Japão, apresentam os caracteres de forma e configuração que nos remetem ao grupo das videiras americanas. Descobertas mais recentes de rochas calcárias muito porosas, remanescentes diluviais da França e Itália, pedras de idêntica estrutura encontradas nas construções lacustres da Idade do Bronze, assim como os achados de Tróia e Tirina, aninham um tipo de sementes que correspondem às da Vitis vinifera mais primitiva.
A ampla difusão geográfica das ampelídeas, como uma planta genérica que se desenvolveu em numerosa família de plantas mais rústicas, inclui áreas da África, Américas, Ásia e Austrália. Mas, considerando-as no nível mais elevado de evolução, produtoras de uva, resumem-se aos três grandes grupos de videiras: americanas, orientais e viníferas, sempre ocorrentes naturalmente no Hemisfério Norte. Neste extenso e diversificado cenário, o monumental teatro terrestre, estavam lançadas as videiras fundamentais que, sobreviventes de toda sorte de catástrofes terrestres, certamente continuaram a interagir com as condições de solo e de clima reinantes em cada lugar e a cada época, adaptando-se e modificando-se, resultando na multiplicação da prole em dezenas de espécies e milhares de variedades.
Quanto aos vinhos, existe no mercado ao redor do mundo, uma profusão de tipos e classes, elaborados de castas americanas, castas amurenses, castas européias e toda sorte de hibridagens cruzando castas com híbridas, híbridas com híbridas, e assim por diante.
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