Foi realizado no Restaurante Aprazivel, Rio de Janeiro, dia 15 de maio de 2012, um evento reunindo as vinicolas brasileiras que se postam contra as muletas competitivas chamadas salvaguardas ao vinho nacional, alias, um tipo de ajuda pouco engrandecedor. Para abrir o evento, foi proferido um discurso pelo proprietario e enologo da Vinicola Vallontano, que reproduzimos a seguir -
Prezados senhores, senhoras, jornalistas, enófilos, sommeliers, chefs,
lojistas, produtores, amantes do vinho, pessoas de bem,
É com imensa alegria que iniciamos
este encontro. Hoje é um dia de júbilo inebriante, um dia de celebração.
Estamos aqui para resistir a tentativa de genocído da diversidade do vinho no
Brasil. Estamos aqui para resistir ao fim da pluralidade, estamos aqui para
dizer a verdade, a nossa verdade,a única verdade.
Estamos aqui porque não queremos ser
engolidos pelo monstro da economia de escala. Estamos aqui para defender os
vinhos brasileiros, e sobretudo para debater a tentativa perversa de
privilegiar apenas a grande indústria de vinhos no Brasil em detrimento da
artesania.
O Aprazível, já foi palco de outras
batalhas e novamente abre suas portas para um momento importante e histórico, e
sem precedentes para os rumos da vitivinicultura no Brasil. O Aprazível é para
nós, pequenos produtores brasileiros, o fórum legítimo para discutir a
vitivinicultura brasileira. O palco perfeito para quem não tem vez e voz em sua
própria terra.
É o púlpito para ressonarmos nosso
descontentamento com as políticas impostas pelo setor, e por todas as entidades
que apóiam o Selo Fiscal e a Salvaguarda. Falam em patriotismo, falam em
brasilidade, falam em responsabilidade, falam em abrir a cabeça, falam em
erguer a taça, falam em dizer sim.
Mas também nos acusam de
boicotadores, de traidores do vinho brasileiro. Pois bem, gostaria de
questionar quem são os traidores de fato. Será que nos venderíamos por 30
moedas? Será que teríamos todo este poder que agora nos imputam? Se não,
vejamos: quem boicotou as mais de 400 vinícolas que foram contra o Selo Fiscal?
Quem boicotou os cidadãos que
firmaram de próprio punho, através de abaixo assinado, esta contrariedade? Quem
boicotou o pequeno produtor ao pedir que derrubassem a normativa que isentava o
Selo fiscal para vinícolas que produzissem até 20.000 litros de vinho? Quem
está boicotando a discussão sobre o sistema tributário Simples para as pequenas
vinícolas?
Quem boicotou as vinícolas
familiares que foram fechadas por não respeitarem a impraticável normativa IN
05 (normativa esta que impossibilita qualquer agricultor de fazer vinho em sua
própria propriedade?) Quem boicota os pequenos agricultores e os trata como
verdadeiros criminosos por fazerem vinho para seu próprio consumo? Quem são os
boicotadores do vinho brasileiro?
Acusam indiscriminadamente os
pequenos produtores, por estarem ligados a esta ou aquela importadora, acusam
pequenos produtores por serem desta ou daquela etnia, acusam os pequenos
produtores de serem deste ou daquele estado,acusam os pequenos produtores de estarem
promovendo o caos.
Acusam os pequenos produtores de
serem manipuladores de informações. Assim assistimos perplexos a tudo isto, a
falta de elegância destas pessoas que estão botando abaixo a imagem do vinho
brasileiro,.
Prezados cidadãos e cidadãs, o
marketing não esconde atos fascistas, o marketing não limpa a alma, o marketing
não forja caráter, o marketing não faz vinho! Mas querem reverter através dele
a insanidade que foi o pedido de Salvaguarda. Ora vejamos sobre a luz da razão
esta abominação, Quem pediu a Salvaguarda para os vinhos brasileiros?
Segundo um renomado enólogo e
produtor de vinho brasileiro, foram as entidades "representativas" do
Setor que pediram a Salvaguarda, mais ninguém. E quem são estas entidades? De
que elas são formadas? De que matéria? De seres inanimados? De biomas
desconhecidos? De lontras, leões marinhos, salames, porcos, raposas? Quem são
seus dirigentes?
Será que estas entidades abririam
suas atas publicamente para termos acesso a estas votações? Tanto do Selo Fiscal
quanto da Salvaguarda? Ou elas não existem? De onde surgiram estas idéias? Da
caixa de pandora? Onde estas idéias foram debatidas? Quando, como e com quem?
Estas atas não apareceram e nem vão aparecer, porque apenas poucas vinícolas
decidem por centenas de produtores.
Fácil agora recorrer a cortina
obscura das "entidades representativas" do setor, para safarem-se do
imbrólio. Disseram também que a Salvaguarda é um ato social, pois dela dependem
20.000 famílias. Gostaria de saber se as 20.000 famílias sabem das
contrapartidas da Salvaguarda? Para que o governo adote as medidas
protecionistas o setor se compromete a implementar diversas medidas
compensatórias.
Vejamos algumas delas: "a
implantação de 1.500 ha de vinhedos em áreas fora das áreas tradicionais",
quem sabe propomos as 20.000 famílias serem os novos pedestres do mar vermelho
protagonizando mais um êxodo na história? Quem tem mais condições de implantar
estes 1.500 hectares?
Outro exemplo, será a diminuição de
até 15% do custo de produção da matéria-prima e redução em 35% com relação a
regiões tradicionais, onde hoje habitam estas 20.000 familias. Além disso,
teremos que aumentar 37% a produtividade dos nossos vinhedos, ou seja, teremos
que piorar a qualidade de nossa uva? Isto é insano! E pasmem, a Salvaguarda
incentiva fusões de empresas para ganho de escala, e pretendem investir do 3º
ao 8º ano, 40 milhões de reais em promoção "coletiva".
Quem pagará esta conta? Para quem
está sendo direcionada esta "coletividade"? É revoltante saber que
nos últimos anos as grandes coorporações conseguiram tudo do IBRAVIN, e este
mesmo instituto não apresentou um único plano para melhorar a competitividade
das vinícolas familiares.
Ao contrário, nos presenteou com o
burocrático e ineficaz Selo Fiscal. Não apresentou uma única proposta para
financiar pequenos produtores e incentivar a vitivincultura familiar, ao
contrário está exigindo cursos de qualificação para a implantação de uma
normativa utópica e impraticável para os colonos, a IN05.
Não há um único projeto para vinhos
artesanais no país, ao contrário puniu os agricultores que elaboravam vinhos em
suas propriedades. Novamente pergunto quem está sofrendo o boicote durante
anos?
Quem são os boicotadores. A grande
indústria brasileira usa a ardilosa estratégia de se colocar como vítima.
Queremos saber quem está de fato boicotando o vinho brasileiro? Meus caros, por
isto estamos aqui, para dar nossa resposta de forma elegante e prazerosa, ao
evento que simultaneamente acontece neste exato momento em outro local
promovido pelos defensores do Selo Fiscal, da Salvaguardas e das Normativas,
que servem apenas de instrumentos de defesa, numa vergonhosa e escancarada
tentativa de reserva de mercado.
Se fizeram dívidas e dimensionaram
mal o seu mercado e suas expansões agora que paguem! E não dividam sua dívida
com o setor, se fosse assim, também gostaríamos que o governo pagasse nossos
Proger e Prodefrutas. Mas ao invés da choradeira estamos aqui, no verdadeiro
campo de batalha "o mercado" tentando vender nossos vinhos sem
nenhuma salvaguarda, sem recorrermos ao "tapetão"!
Não poderia deixar de fazer
referência a um grande homem de coragem, e proprietário do restaurante que
possui a melhor carta de vinho do Brasil, Pedro Hermeto. Parabéns pela coragem,
pela determinação e entendimento.
O Aprazível foi e sempre será a
grande referência para o vinho brasileiro. Também agradeço a todos que se
empenharam nesta luta de defesa do pequeno produtor brasileiro.
Certamente o sacrifício e o sudário
impressos em nossos dias, não nos roubaram a dignidade, nem execraram de nós a
sensibilidade; ao contrário, nossas gárgulas inundaram as nossas vidas de
alegria e serenidade. O vinho imaculado corre em nossas veias como o Vesúvio em
seus tempos de glória! Somos parte de um mesmo corpo, amantes de um mesmo amor,
fugitivos de guerra procurando a paz.
Como homens e mulheres de um novo
tempo, temos somente um dever: procurar a verdade. Que ela nos guie e nos
liberte, que ela nos desvende outros caminhos além daqueles indicados por
outros, que ela nos esclareça e nos dê essência. Sigamos então a verdade da luz
da lua numa noite de verão, bebamos um vinho autêntico com nosso melhor amigo,
sejamos um pouco o corpo do Criador, sejamos os ramos da videira a frutificar
pela eternidade, sejamos odres novos para o vinho novo.
Cantemos os salmos da vida,
festejemos o Cântico dos Cânticos, sempre e sempre. Façamos do vinho o nosso
filho unigênito, respeitando suas nuances e suas estações, façamos dele nossa
vida, como nossos sonhos, outrora verdadeiros, como o mar calmo depois do
verão.
Que os sonhos de cada um que se
encontra hoje aqui, se tornem uma vinha fértil, que nossos braços sejam como os
ramos e frutifiquem, que as nossas mãos toquem com delicadeza e carinho nossa
colheita, e que nossos olhos habitem o infinito para sentirmos então todos os
aromas indescritíveis, jamais sonhados, degustando a paz, e encontrando a vida
plena.
No vinho a luz, no vinho a vida, no
vinho o escárnio, a ousadia, no vinho o corpo, o sopro, a luz... No vinho o mar...No vinho o amor, o amor, o amor.
Assim seja!
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