Em priscas eras, os antigos sempre aconselharam a colheita de frutas quando as primeiras bagas haviam sido picadas por algum pássaro frugívoro local, numa certificação de qualidade fornecida pela própria natureza!
No princípio do século 19, os vinhedos europeus apresentavam pouco vigor e estavam sendo atacados de forma maciça por distintos fungos resultando quebra de safra e morte lenta de videiras. A aplicação da tradicional calda bordalesa já era de pouco ou nulo efeito.
Com a revelação das videiras americanas para o mundo, sob a aura de robustez e produtividade, os europeus importaram grandes lotes de mudas americanas para revigorar seus vinhedos. O vinho Chianti, durante anos, levou em seu corte vinho da híbrida Isabel!
Esta solução trouxe num primeiro momento enganosos resultados mas, tempos seguintes, teve início o flagelo da ação da filoxera (inseto que devora as raízes das videiras) que veio de carona nas mudas importadas dos Estados Unidos. Foi uma enorme devastação dos vinhedos europeus na segunda metade do século 19, que resistiu a todos os tratamentos de choque, inclusive dos defensivos químicos da recém inaugurada viticultura química..
A solução para essa catástrofe foi ecologicamente correta e veio do próprio veículo do mal. Um pedaço de galho de videira americana enterrada cria raízes e se torna um “cavalo” ou porta-enxerto. Na ponta externa do cavalo coloca-se de topo um garfo ou pedaço de galho da videira européia escolhida. Pronto, aí está uma Cabernet Sauvignon enxertada sobre cavalo americano e, assim, protegida contra o ataque da filoxera!
Segundo contou o viticultor bordalês Jean Pièrre Amoreau, ao término da Primeira Grande Guerra havia enormes sobras de matéria química destinada à fabricação de artefatos bélicos. Governos e empresários apressaram-se em desenvolver aplicações para consumir todo aquele material. Uma delas foi a produção de defensivos e fertilizantes agrícolas.
Esta prática sustentou a expansão dos vinhedos e contribuiu para que a geografia vitivinícola fosse ampliada mundo afora até em zonas de clima úmido como o sul do Brasil. Cresceu a viticultura química.
Em contraposição à agressividade dos tratamentos químicos, parte dos produtores tradicionais mantiveram-se na agricultura ancestral, a viticultura orgânica, que faz o cultivo com elementos naturais isento de aditivos químicos.
Nas primeiras décadas de 1900, ganharam força na Europa os princípios da antroposofia de Rudolf Steiner, preconizando o equilíbrio e harmonia do ecossistema, oferecendo a viticultura biodinâmica..
Segundo esta filosofia, o agricultor segue o calendário agrícola decorrente da influência sobre as plantas do ritmo cósmicos da Lua, do Sol, dos planetas e suas inter-relações. Conforme o posicionamento do dia perante esses fatores, será executada a poda ou outros tratos culturais. A área de cultivo busca tornar-se um organismo integrado, com a mínima introdução de recursos e insumos externos, especialmente produtos de síntese química.
Inicialmente havia, por total desconhecimento, certa desconfiança contra os vinhos orgânicos os quais, a priori, eram tidos como isentos da vivacidade presente nos vinhos ditos normais. Puro engano por falta de degustação deste tipo de vinho.
Mas numa civilização massificada pelas batatas fritas do Mac Donald e pela odiosa vozinha da Hello Kitty, o que se observa é uma crescente procura por produtos ecológicos, situação que transforma gradativamente os vinhos biodinâmicos e orgânicos não mais em modismo, mas em produto de alto valor comercial.
No final, quem ganha mesmo é o consumidor, em opções, em aromas, em saúde e em atitude.
Nenhum comentário:
Postar um comentário