O nariz e a boca participam conjuntamente tanto do beijo como da apreciação de um prato ou de um vinho. Comer, beber, beijar: prazeres absolutamente individuais, deleites que o ser humano experimenta em sua intimidade física e emocional.
À boca cabe o trabalho mecânico no conjunto dos sentidos: rasga, tritura, umidece e abriga os alimentos até o momento da deglutição. Os lábios fecham a “usina”, os dentes fazem o trabalho pesado, a língua e as mucosas captam o doce, o salgado, o ácido e o amargo, além de perceber temperatura e textura. A boca aquece os alimentos e provoca a liberação dos voláteis aromáticos para o trabalho refinado da retro-olfação. Enfim, a boca não foi feita para muito deleite além de um beijo de língua bem dado.
O nariz, além de nos despertar e impelir para aquele beijo, tem uma natureza muito mais mental e de grande sofisticação. Nada teria cheiro e, consequentemente, sabor, se não fosse o nariz, cujas células olfativas capturam as moléculas aromáticas dispersas no ar. Uma barra de ouro, por mais valiosa, não tem cheiro, uma vez que suas moléculas não são voláteis. Ao contrário, uma taça de vinho próxima ao nariz impacta-nos com seus aromas, do mais primário aos mais complexos.
Do conjunto desses aromas retiramos do fundo do baú da memória lembranças do passado, impressões íntimas, evocações de acontecimentos e emoções. Ainda mais, o olfato destaca-se por ser o único sentido diretamente ligado à complexidade das memórias e emoções. Podemos dizer que o olfato traz registros emocionais e de memória que muitas vezes nem sabíamos possuir. Isso porque, no cérebro, o centro de captação olfativa é vizinho de meia parede das áreas que governam memória afetiva e as nossas emoções.
A vontade de beijar aquela pessoa está ligada à memória de alguns aromas que levam ao atávico prazer do recém nascido, de sugar e satisfazer-se. O bebê reconhece o cheiro de sua mãe, que é a fonte das delícias de sua vida. Mama, mamar e mamãe: tudo o que gosta procura com o nariz e alcança com a boca. Assim é com o beijo, assim é com o vinho.
O beijo vem depois de sertirmos o hálito e o cheiro da pele da outra pessoa. No vinho, o gole é desejado pelos aromas que o antecedem. Se gostamos, desejamos provar.
Entre amantes, a aparência da pessoa desejada, com o tempo, acaba ficando em segundo plano, deixando o primeiro lugar para a química da pele, do misterioso perfume do amor.
Diante de uma taça de vinho que tem nossa preferência, acabamos dando pouco tempo de observação visual, ficando o primeiro lugar para a mágica do buquê, do inexplicável prazer de beber aromas.
O que nos resta, então? Nada mais que beijar e beijar a pessoa amada e tomar e tomar deliciosos vinhos...
2 comentários:
prezado Sergio, teu texto relata a mais pura verdade sobre a relação pessoal que podemos ter com nossos desejos mais íntimos de amor e prazer..
saludos
jose@penadelsur.com.br
Jose
Voce realmente captou o espírito do blog, que se preocupa com a apresentação de postagens de conteúdo variado, sem enochatices.
Falamos de regiões, pessoas, vinhos, relações complexas com o vinho e assim por diante. Seu feed-back é importante!
Obrigado
Sérgio Inglez
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