Na época da vindima, generalizava-se por todas as aldeias romanas a festa de confraternização e alegria dos que cuidavam do vinhedo e faziam vinho. Esta comemoração, denominada Liberália, representava a explosão de alegria depois do longo ano de árduo trabalho. Ao mesmo tempo em que aconteciam estas celebrações públicas relativamente comportadas, ocorriam os famosos rituais secretos de adoração ao deus Baco, embalos conhecidos como Bacchanalia.
Nesses bacanais, sob um dilúvio de vinho, homens e mulheres entregavam-se a verdadeiras olimpíadas sensoriais, quando a alegria irradiante ultrapassava os limites da contenção e liberava totalmente a sensualidade. Os excessos praticados nestas orgias atingiram tal ordem (ou desordem) que os burocratas de Roma, reunidos no Senado, proibiram os rituais a partir do ano de 186 a.C., tornando o evento um fruto proibido, fonte de secretos prazeres, o que atraiu uma horda ainda maior de novos seguidores.
Os efeitos do vinho sobre a sensualidade não se limitaram aos excessos daquelas comemorações anuais da vindima, mas tornaram-se uma espécie de símbolo da união perfeita entre pessoas. Segundo certas lendas, o vinho foi usado para o banho pré-nupcial dos noivos, no qual, mesclando corpos e vinho, abriam-se as portas para os prazeres e a felicidade da vida conjugal que ali se iniciava.
Muito embora limitado pela crueza da vida, pelos medos e pelas sujeições do próprio existir, o homem almeja estar liberto de suas travas e inibições, da angústia e da solidão. O vinho chega como libertador do deleite e do prazer, portador da alegria, ajudando a criatura humana na aproximação com os entes queridos, na comunicação com o próximo, e no livre externar de sentimentos e sensações. Na obra “Festa dos Deuses”, Bellini retrata, nas expressões e gestos, os efeitos libertadores do vinho.
O dicionário Houaiss oferece várias definições para o termo libertar, entre elas: “tornar livre aquilo que se acha submetido a restrições, a limites; dar vazão a, expandir, soltar, fazer aparecer o que estava em estado latente”. O homem, cativo de suas amarras, pode, com o vinho, enfim expressar sua verdadeira feição. O vinho, em si, não é um afrodisíaco, mas, sim, aquele que abre comportas.
Como em toda manifestação sensual, qualquer exagero é doença, é tara, também no vinho existe o ponto ideal para o prazer. Antes desse ponto, vislumbra-se o Paraíso; depois dele, perde-se a graça divina desse prazer e, a partir daí, tudo pode virar um inferno. A dois, degustar um vinho pode traduzir uma experiência incrível, que leva do acariciar a garrafa (e a pele amada) a explosões da memória sensorial pessoal acrescentada e, daí para a frente, de uma memória partilhada e secreta.
Assim, a humanidade pode prosseguir sua caminhada sensual e, conforme o poema de Baudelaire, Le vin des amants, os amantes viajam “à cheval sur le vin, pour un ciel feérique et divin”.
Um comentário:
buenas "professor" Sergio...
mais um texto bárbaro!
sucinto e elucidativo, essas festinhas deviam ser algo pr'aqueles tempos.......enfim, o que deve ficar realmente como excencial na minha modesta opinião é a nobreza e o requinte que o universo do vinho proporciona àqueles que se permitem nesse mundo acessar.....
saludos
José..
ps: tenho um pequeno restaurante de assados de parrillada em Montenegro-RS.. hora dessas que andares por essas bandas daqui.. me avise, será um prazer recebê-lo e conhecê-lo...
www.penadelsur.com.br
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