Tenho uma adega particular que guarda garrafas compradas, trocadas e recebidas como presente, assim como amostras para avaliação, garrafas rotuladas ou etiquetadas, enfim, um mar de vinhos importados e nacionais que vão sendo analisados ao longo do tempo.
Vinhos brasileiros são degustados na época em que me chegam as garrafas e anos depois, com as garrafas testemunhas que guardo para conhecer a qualidade da evolução. Muitas vezes as surpresas reservadas são desagradáveis porém, em outras oportunidades tenho tido momentos e circunstâncias para prazerosamente elogiar.
As surpresas desagradáveis vêm de vinhos sem estrutura que morrem em poucos anos de estocagem sob condições adequadas. O que tenho notado é que vinhos de descrição empolgada "vinho tinto de cor vermelho escuro intenso" podem não passar de vinhos batizados com enoantocianos comprados na farmácia da esquina ou vinhos de positiva descrição como "toques de caramelo, especiarias, café ou chocolate" podem ser truques de contorcionismos enológicos da aditivação comercial.
Não tenho o purismo de descer aos extremos de apologias somente aos vinhos naturais. O que não quero é aceitar os porões do inferno vinícola praticado por alguns!
Como existem muitos vinhos brasileiros nos quais se possa acreditar, que podem ser guardados e apreciados depois de muitos anos, apanhei uma garrafa que ganhei do Marco Danielle há uns bons anos.
Trata-se de um Minimvs Anima, Vendimiae MMV-MMVI, uvas do terroir de Encruzilhada do Sul, RS, rendimento 2 kg/videira, corte de 70% de Cabernet Sauvignon com 30% de Alicante Bouschet, 2005. Antes de continuar, vejamos quem é o autor do vinho aliás, deste vinho de autor!
Marco Danielle produz vinhos artesanalmente partindo de uma das melhores matérias-primas disponíveis no Brasil - uvas de Encruzilhada do Sul, Serra Sudeste. A uva vem de cultivo sob produtividade reduzida, obtida por raleios radicais, que respeitam a fisiologia e o equilíbrio da videira. No lagar, os vinhos são elaborados de forma natural e criteriosa. Não são filtrados ou estabilizados artificialmente, de forma a preservar ao máximo os descritores do seu caráter natural. O depósito que pode se forma em garrafa não é para fazer charme, mas para deixar claro que o processo de vinificação transcorre com mínima intervenção ou melhor, com nenhum malabarismo enológico. Como os vinhos são elaborados a zero SO2 (sem conservante INS 220), as condições de guarda têm que ser em ambiente com climatização, sem vibrações e ao abrigo da luz.
A decisão de se elaborar vinhos naturais, com mínimo ou nenhum conservante, impõe o risco de se ter, no momento do serviço, na taça um frisantino leve e evanescente, para algumas garrafas, lotes ou safras, sem representar defeitos da qualidade. Basta promover a aeração em decanter ou na própria taça para liberar os resquícios gasosos.
Na taça, o vinho mostrou cor muito intensa, lágrimas abundantes e lentas, aromas de compotas de frutas, ameixa preta seca, toques de tabaco e chocolate amargo, boca gorda com ótimo preenchimento sobre a língua, figo em calda, bananada sobre um fundo de chocolate. Equilíbrio acidez, taninos e álcool. Final de boca agradável e persistente.
Um vinho de alta qualidade e complexidade que oferece uma leve sombra do que se passa na cabeça do Marco Danielle!
(CONTATOS: tormentas@tormentas.com.br )
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